Por Terras de Sanabria (IV)
Na crista de uma ciclópica onda...
Defronte de nós dispunha-se um espesso tapete branco, bem almofadado, estendido até à supina aresta, ilusória linha que demarca o céu da terra. O reino intemporal do reino aferido. Reino aferido cada vez mais ao segundo, na ânsia de ser o primeiro, para no final, cegos pela nossa ambição, só enxergarmos a nossa própria sombra, espectro fantasmagórico toldando nossa genuína essência.
A ascensão pelo corredor indicado não seria meramente linear. O Kata, com a ajuda do Smith engendrara dois exercícios basilares nos compêndios do montanhismo, a realizar nas secções de maior pendente. Na primeira situação, cada cordada progredia com o guia dessa cordada por sua vez ligado a uma corda fixa. Corda esta que teria papel de figurante durante a ascensão. No entanto, em caso de queda agarraria célere o papel vital!
Assim o Kata logo aludiu à nossa cordada “nem uma só impressão digital, ou neste caso de luva, na corda fixa. É como se não existisse! Só em caso de queda…” A nossa cordada e restantes cumpriram a preceito as disposições do nosso perito e lá ascendemos a um novo patamar do corredor, donde já se nos perspectiva uma panorâmica visão do fascinante vale do Lacillo, destrinçando-se bem ao longe o nosso acampamento base, tal ínfima mancha dissolvido num vasto espaço de labirínticas saliências e reentrâncias. Mais adiante repousava a distinta laguna de Lacillo, derretendo-se enamorada do ardor solar que se insinuava discreto na sua suspensa fímbria.
Uns metros acima nova técnica iria ser exercitada. Esta consistia na passagem por dados pontos (atados com cintas expresses) da corda de cada grupo de cordada. Pontos esses de segurança para incremento desta progressão.
A radiação solar espelhava-se sobre a neve, resplandecendo os corpos envolventes, animados ou inertes. Em especial os dos meus companheiros, que patenteavam vivas e radiosas tonalidades cromáticas. Avançamos pelo corredor acima tais exploradores das suas formas e respectivos relevos que se nos deparavam a cada passo. A esta altitude já se sentia o domínio do mineral sobre orgânico. Terreno inóspito, adverso à presença do Homem que lhe resiste, obstinado em trilhar o desconhecido, os desconhecidos recônditos ao encontro de sua própria identidade.
O espírito de entreajuda e harmonia imperou mais uma vez entre os Amigos durante a ascensão, facilitando a chegada bem sucedida de todas as cordadas à aresta culminante da montanha. Nesta aproveitamos para vestirmos casacos mais quentes pois, a estas altitudes, soprava um intenso vento glacial. Sentíamo-nos como aventureiros sulcando a crista de uma gigantesca onda oceânica, cercada por outras ciclópicas ondas envolventes, das quais se destacava visivelmente Trevinca, o piramidal zénite!
1 Comments:
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Enviar um comentário
<< Home