segunda-feira, janeiro 24, 2005

Por Terras de Sanabria (III)

16 de Janeiro de 2005

Por um íngreme Corredor acima...




Instantes após os frontais se apagarem uma retumbante ventania gutural acercou-se poderosa e definitiva da nossa tenda, e só a breves espaços preguei olho, certamente sonhando que me encontrava detido numa forte tempestade de neve, quiçá já próximo do cume da Franqueira! Não faltou tempo para recordar e reflectir sobre as minhas prévias passagens por Sanabria, desde que em miúdo viera, com minha família, descobrir escondido por detrás das montanhas um sereno mar de água doce.
A certa altura comecei a ouvir vozes no exterior da tenda, espreitei e na escuridão o máximo que enxerguei na névoa defronte foi a agitação próxima de uns pirilampos (de uma rara espécie de luz incessante). Mas só com o despertar gradual apercebi-me então que era pessoal já todo aperaltado e sequioso de partir a todo o momento!
O negrume lá fora retraía-me mais que o frio de sair da toca. Mas é sempre e só um pequeno (e algo doloroso) passo para nós e seguramente um gigante passo… para os que mais sonarentos restam deitados por uns adicionais instantes.
Ingeri mais uns goles de água para tentar refrescar o corpo e a mente, que sentia mais cansados do que antes de ter me deitado. Vesti-me apressado, manduquei o que veio à mão, retirei da mochila o material em excesso para a actividade seguinte, depositando-o no avançado da tenda e lá parti num dos últimos grupos.
Dirigi-me ainda meio sonâmbulo, cambaleando aos primeiros passos, para o berço do vale. Já no seu extremo o dia clareara e começámos a galgar a íngreme vertente até a um ponto onde o grupo completo se concentrara para proceder aos últimos preparativos tendo em vista a ascensão do emblemático corredor, com uma acentuada pendente e bem empanturrado de neve, que agora se nos deparava imponente bem à nossa frente.
Apertei bem o arnez, ajustei as fivelas dos crampons, coloquei o capacete, enfiei de novo as luvas e saquei do piolet! Venha daí esse corredor, pensei (se calhar ainda meio ensonado)!
Enquanto isso o Kata definiu os elementos das três cordadas a formar (duas de 4 elementos e uma de 3 ). Na minha cordada de quatro elementos o Rui encabeçava o grupo, seguido de mim, do Daniel e do Zacarias, a fechar o quarteto. A outra quadra era guiada pelo António, seguido, por ordem, do Loureiro, do Zé de Braga e do José Carlos Araújo. O trio (Odemira) restante era o Paixão, Abílio e o Marco. 13 sortudos sanabristas!
Os Amigos ansiavam abocanhar a ainda fofa neve com as presas dos crampons e enfiar bem fundo os piolets em sinal de tenacidade. Arremeter pelo corredor acima com o fulcral propósito de no topo ser-se arrebatado pelo absoluto prazer de contemplar os vastos e sublimes horizontes em redor!
Mas a segurança vem sempre primeiro e refreia os nossos ímpetos instintivos, das nossas vivências ancestrais! Tudo deve ser verificado e experimentado! As vezes que se achar e for necessário! E estar bem prevenido para o máximo de eventualidades!
A nossa cordada foi a primeira. Acorrentados mas entusiasmados lá seguíamos pelo corredor (talvez final, se desabasse uma valente avalanche por ali abaixo! Mas isso certamente era mais improvável do que até lá cima ninguém pisasse, nem por uma só vez, as cordas!). O Rui coordenava a subida do nosso grupo, fornecendo dicas aqui e ali, orientado, a espaços, pelo Kata que ia colocando com a ajuda do Smith friends e pitons e respectivas cintas express com mosquetões em locais estratégicos da passagem.